Ao longo da história do ensino da língua portuguesa, sempre houve uma preocupação com a organização do texto, tanto no aspecto formal ,quanto no aspecto do conteúdo. Mas foi a partir de estudos, relativamente recentes, que se verificou que os problemas na elaboração de textos iam muito além de “erros” ortográficos. Estes estudos comprovaram que existem elementos indispensáveis na estruturação do texto , o que constitui a sua essência e o distingue do pseudo-texto ou não-texto.
Para ficar mais claro, vejamos o que diz Koch (1984, p.21-22), sobre a estruturação de um texto:
[...] o discurso, para ser bem estruturado, deve conter, implícitos ou explícitos todos os elementos necessários à sua compreensão, deve obedecer às condições de progresso e coerência, para, por si só, produzir comunicação: em outras palavras, deve constituir um texto. Todo texto caracteriza-se pela textualidade (tessitura), rede de relações que fazem com que um texto seja um texto (e não uma simples somatória de frases), revelando uma conexão entre as intenções, as idéias e as unidades lingüísticas que o compõem, por meio do encadeamento de enunciados dentro do quadro estabelecido pela enunciação.
Portanto, sendo o texto oral ou escrito, ele deve ser composto por enunciados que se articulam entre si e expressam um certo sentido. Assim, o texto é “tecido”, observando elementos, como a coesão, que se constitui nas relações entre as partes do texto e a coerência que é a relação entre as idéias. Além desses elementos, existem os fatores de contextualização que contribuem para a coerência textual.. A situacionalidade que é a adequação ao contexto onde será apresentado o texto. A informatividade que faz o texto atraente pelo número de informações novas, mesmo baseando-se nas velhas. A focalização que consiste em centrar o foco em um único assunto, para poder aprofundá-lo. Intencionalidade e aceitabilidade que se referem ao objetivo do texto e à percepção que o leitor deve ter da intenção do autor, para aceitá-la. A consistência que está relacionada à veracidade das informações em relação ao assunto tratado e a relevância que consiste na importância das informações para o leitor.
Além disso, não se pode esquecer de que o texto é escrito para possíveis leitores/interlocutores. O que significa dizer que num diálogo com o texto, cabe ao leitor/interlocutor, a depender do seu conhecimento de mundo, desvendar o sentido do mesmo, lendo além do que está escrito, isto é, nas entrelinhas, fazendo inferências. A respeito do que Koch (2002, p.79) diz, “ inferência é a operação pela qual, utilizando seu conhecimento de mundo, o receptor (leitor/ouvinte) de um texto estabelece uma relação não explícita entre dois elementos deste texto que ele busca compreender e interpretar [...]”
Visto que ao ler o texto, Resex. Algumas considerações, de Mauro Gottardo, publicado no jornal TABU, 2ª quinzena de agosto, e fazer minhas inferências , fiquei com muitos questionamentos, resolvi tomá-lo como exemplo do que está exposto acima ( já que o referido texto se tornou de domínio público), focando apenas o trecho abaixo:
As pessoas de fora que já possuem certa estabilidade financeira não podem e nem deveriam apoiar esse movimento, pois seriam injustas e desumanas ou são muito estúpidas de irem contra uma população inteira que está se mostrando indignada com a Resex.
A Associação Viva Canavieiras, que é presidida por uma pessoa aparentemente tão capaz e que tanto tem feito pela sociedade, dando exemplos até de se preocupar com os mais velhos, deveria trazer à tona seus motivos para aderir a Resex.
Eu tive a honra de ser um dos primeiros subscritos do quadro social da Viva Canavieiras e, infelizmente, um dos primeiros a sair. [...]
Será que certas pessoas da referida associação,ao se posicionarem a favor da Resex, sabem o que estão fazendo?Ou alguém acha que alugar uma lancha por R$2.000,00 por dia é para a classe média baixa? [...]
No campo das idéias, podemos observar a ausência de coerência em todo trecho, bem como de consistência nas informações. Assim, com base no 1º parágrafo, deve-se concluir então:
Que essas pessoas de fora não fazem parte da população da cidade? Que as pessoas, que exercem o direito de escolha, são injustas, desumanas e estúpidas? Que a indignação da população inteira, significa mobilização?
No 2º parágrafo, o próprio autor reconhece que a presidente da Associação tem feito muito pela sociedade e que é solidária com os mais velhos. Logo, não se pode ter dúvida da capacidade de uma pessoa que faz muito pela sociedade. E ainda, se são os sócios que escolhem a presidente, que segundo o texto tem uma história de “ feitos” na cidade, então escolheram uma pessoa responsável e competente.
No 3º parágrafo, não é possível entender a intencionalidade do autor. Para mim é um elogio à Associação, “tive a honra de ser... e infelizmente um dos primeiros a sair dele...”
Já no 4º parágrafo, a frase sobre a lancha não se encaixa no contexto e faltam informações. Quem põe lanchas para serem alugadas? É a Associação? É a prefeitura? É uma empresa? É o IBAMA? Onde? Em Canavieiras? Que ligação existe entre a associação e o aluguel de lanchas?
Como se pode observar, ao escrever um texto, lançamos mão, não apenas do código da escrita, que obedece a convenções e tem elementos e aspectos próprios, mas também de muitos outros recursos que a língua oferece como as concordâncias verbal e nominal, a sintaxe de regência (nominal e verbal) e de colocação, a coerência e a coesão, que articulam o sentido do texto. O que importa, muito, é saber que esses recursos só ganham sentido no contexto intratextual, isto é no interior do próprio texto. Por isso, ao elaborar um texto, temos de levar em conta que tanto o contexto intratextual como o contexto situacional ( que se refere às condições de produção) vão influir na escolha do objetivo do texto, dos recursos lingüísticos a serem utilizados, da linguagem adequada , das informações necessárias e da argumentação .
Marinalva Lemos Mello ( Graduada em Letras/Inglês-- UESC e pós em Ling. Portuguesa/Redação --PUC-MG. Atualmente na tutoria de Pedagogia/ULBRA. turma de 2ª feira)
1.Mari Gândara é graduada em Educação Física, com Especialização em Motricidade Humana. Mestra em Educação. Doutora em Psicologia. Participa de Banca de mestrado e doutorado em Universidades do país( UNICAMP, PUC/Campinas) è criadora do CIAD (Centro Interdisciplinar de Atenção ao Deficiente) de referência nacional. Autora de livros "Atividades Ritmadas para Crianças", "Nós Deficientes" entre outros . Além de prestar um grande serviço à Comunidade Canavieirense à frente da associação Viva Canavieiras e como voluntária em atividades educativa e artística.
